domingo, 16 de setembro de 2012

LIVROS DO MÊS DE SETEMBRO

Sugerimos, desta vez, a história  da relação entre o narrador e sua família com o seu cão, Kurica, um epagneul-breton a quem foi dado nome de leão, e não era então um cão como os outros: era-o antes como nós! Comovente! 
A outra sugestão é O Senhor Juarroz, livro pertencente à série O BAIRRO, que nos fala de Juarroz, um homem que teoriza tudo, mas é completamente desastrado na vida prática. Como alguns de nós!

CÃO COMO NÓS,  de Manuel Alegre


"Dei então por mim a conversar com o cão, sempre que estávamos sós. Digo bem: conversar. Porque se ele nunca chegava, como pretendia, à enunciação, não tenho dúvida de que compreendia a humana fala. Pelo menos a nossa. Falava-lhe das caçadas que podíamos ter feito e não fizemos. Tentei explicar-lhe a magia da pesca, mas isso foi coisa que ele nunca aceitou. Quando voltei a caçar, normalmente na companhia do meu filho do meio, contava-lhe as proezas de cada um. Também lhe falava de versos, é verdade, como ás vezes não tinha ninguém a quem ler de imediato um poema acabado de escrever, lia-o ao cão. Ele gostava. Não sei se do poema, mas de que lho lesse. Ou do ritmo, do som, fosse do que fosse. Não que uivasse como com a música de Albeniz. Mas creio que ele também gostava da música da poesia, da alquimia do verso, da litania e da celebração mágica que todo o poema é. Algo que os bichos talvez entendam melhor do que os especialistas da literatura. 
     Às vezes eu dizia-lhe aquele famoso verso de Camilo Pessanha: 
     «Só incessante um som de flauta chora.»
     E ele arrebitava as orelhas. Tenho a certeza de que estava a ouvir a flauta."
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Ouve aqui Asturias (Leyenda) de Isaac Albéniz, interpretada por John Williams. Encanta-te!

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O SENHOR JUARROZ, de Gonçalo M. Tavares 


O Senhor Juarroz
«O senhor Juarroz gostava de organizar a sua biblioteca de maneira secreta. Ninguém gosta de revelar segredos íntimos. 
O senhor Juarroz primeiro organizara a biblioteca por ordem alfabética do título de cada livro. Rapidamente, porém, foi descoberto. 
O senhor Juarroz organizou depois a sua biblioteca por ordem alfabética, mas tendo em conta a primeira palavra de cada livro. 
Foi mais difícil, mas ao fim de algum tempo alguém disse: já sei! 
A seguir o senhor Juarroz reordenou a biblioteca, mas agora por ordem alfabética da milésima palavra de cada livro. 
Há no mundo pessoas muito perseverantes, e uma delas, depois de muito investigar, disse: já sei! No dia seguinte, assumindo este jogo como decisivo, o senhor Juarroz decidiu arrumar a biblioteca a partir de uma progressão matemática complexa que envolvia a ordem alfabética de uma determinada palavra e o teorema de Godel. 
Assim, para estranheza de muitos, a biblioteca do senhor Juarroz começou a ser visitada, não por entusiastas da leitura, mas por matemáticos. Alguns passaram tardes a abrir os livros e a ler certas palavras, utilizando o computador para longos cálculos, tentando assim encontrar a todo o custo a equação matemática que desvendasse a organização da biblioteca do senhor Juarroz. Era, no fundo, um trabalho de descoberta da lógica de uma série, semelhante a 
2/9/30/93 
Pois bem, passaram dois, três, quatro meses, mas chegou o dia. Um reputado matemático, completamente vermelho e eufórico, segurando, na mão direita, num bloco gigante coberto de números, disse: já sei!, e apresentou depois a fórmula de progressão da série que baseava a organização da biblioteca. 
O senhor Juarroz ficou desanimado e decidiu desistir do jogo. Basta! 
No dia seguinte pediu à sua esposa para organizar a biblioteca como bem entendesse. Por ele estava farto. 
Assim foi. Nunca mais ninguém descobriu a lógica da organização da biblioteca do senhor Juarroz.»

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