A Cidade e
as Serras de Eça de Queirós é, desta vez, o livro escolhido pelo Professor
Luís Cravo para nos fazer viajar pelo seu mundo de leituras.
Lê, inspira-te e atreve-te a ler mais este livro magnífico, que
temos ao teu dispor na nossa biblioteca!
A CIDADE E
AS SERRAS
A palavra
escrita ensinou-me a escutar a voz humana
Marguerite
Yourcenar, Memórias de Adriano
A Cidade e as Serras explora o Portugal de finais do séc. XIX e,
ao mesmo tempo, apresenta-nos um retrato fidelíssimo da Paris dessa época,
cidade universal, cidade cosmópolis, plena de civilização, modernismo, dinâmica
e com gente chic a valer! É nesta Paris babilónica que vamos encontrar a
nossa personagem principal, Jacinto ou, nas palavras da sua mãe, o Cintinho.
Jacinto é o verdadeiro Homo Urbanus (e sei que estou,
provavelmente, a violentar o nosso latim, mas esta é uma definição que acho
perfeita, mesmo podendo escandalizar os latinistas), o clímax da modernidade, a
borboleta social da época. Hoje, alguém o apelidaria com aquela designação
ridícula de metrossexual mas, à época, tais devaneios da massificação
propagandística não existiam! Este nosso Jacinto é adorado pelos seus amigos, pelos
seus criados, pela fina flor da sociedade parisiense de finais do séc. XIX e
vive envolto num casulo de luxo, intelecto e prazer constantes. Obcecado com o
conhecimento e o progresso, Jacinto coleciona as últimas novidades da
tecnologia, tornado a sua casa um dos locais mais concorridos da elite
parisiense, uma verdadeiro mausoléu das últimas novidades das artes plásticas,
da literatura mas, sobretudo, da tecnologia. À parte tudo isto, a nossa
personagem fulcral não é feliz e, à medida que vai adquirindo todas as
novidades da época, apercebe-se do reduto de infelicidade em que, de forma
escamoteada, vive. A única pessoa que se vai apercebendo desta situação é o
melhor e mais antigo amigo de Cintinho, Zé Fernandes, esse outro
elemento essencial para o desenrolar de A Cidade e as Serras. Zé Fernandes
sabe que, na verdade, Jacinto “vomita” Civilização! Jacinto ganhou alergia a
Paris, às suas festas, ao excesso de tecnologia que invadiu a sua casa. Em
suma, tornara-se vítima das suas antigas paixões. A intelectualidade, o saber,
o dinheiro, o luxo, a informação, as festas e, sobretudo, a tecnologia
(episódio quase surreal, de fazer cair lágrimas de tanto rir, é o do jantar
oferecido por Jacinto ao Grão duque Casimiro, e do peixe que constituía uma
iguaria e que, afinal…bem, aconselho a lerem vocês mesmos). Ele não o crê,
verdadeiramente. Não antevê a sua vida fora da cidade que, erroneamente, insiste
que ama quando, até no momento em que sai à rua, fica invariavelmente achacado,
irritado, triste, taciturno e com vontade de se encerrar no seu quarto. A frase
predileta deste homem torna-se um hábito: “É uma seca…” (estamos no séc.
XIX!!!) .
Ora, num súbito volteface deste livro, Jacinto vê-se
obrigado, por motivos de força maior, a viajar para Portugal, mais propriamente
para a recôndita aldeia de Tormes, terra de origem de seus pais e avós. Para
ele, esta tarefa afigurava-se árdua e a soar a tragédia. Afastar-se de Paris e
ir para aquilo que, à época, o sul da Europa ainda significava, equivaleria a
uma sentença de prisão perpétua ou perpétua penitência. Não querendo revelar
muito mais sobre esta jóia da literatura portuguesa, Jacinto acaba por
encontrar, num mundo genuinamente rural, o verdadeiro “novo mundo”, e são
muitas as peripécias que se irão passar até o nosso “parisiense” deixar de ter
vontade de voltar a Paris e acabar por assentar arraiais no seu solar de
Tormes, onde se tornará naquilo que muitos de nós, atualmente, gostaríamos
verdadeiramente de ser: humanos completamente felizes.
Esta obra de Eça de Queiroz é incrivelmente atual e coloca-nos, de
forma exímia, em choque com a condição de seres massificados, urbanizados e
imbuídos de novidade e encanto tecnológico, seduzidos por não pensarmos, mas
por permitirmos que pensem por nós. Hoje, o “nosso Jacinto” é o homem que vive
obcecado pelas novas tecnologias e pelas redes sociais e que não pode passar
(nem imagina) a sua vida sem nenhuma dessas coisas, nem sem o carro, nem sem as
multidões, nem sem os shoppings...é este homem que Eça denuncia na sua A Cidade e as Serras e, se hoje, este
génio da literatura pudesse ter uma brevíssima passagem pelo nosso quotidiano,
iria pensar: “como tudo e nada mudou!...”.
Deixo-vos com uma passagem deste livro que
pode constituir um ponto de partida para uma reflexão mais aprofundada: “Mas
o que a cidade mais deteriora no homem é a inteligência, porque ou lha
arregimenta dentro da banalidade ou lha empurra para a extravagância”.
Professor Luís Miguel Cravo
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