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Ilustração de Lucy Campbell, via Bibliocolors |
DIA DE NATAL
Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com
mavioso tom,
de abraçar toda a gente e
de oferecer lembranças.
É dia de pensar nos outros— coitadinhos— nos que
padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a
aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não
merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e
tão séria.
Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como
se de anjos fosse,
numa toada doce,
de
violas e banjos,
Entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia
o melhor dos detergentes.
De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num
fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o
Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido!Compre imediatamente um
relógio de pulso antimagnético.)
Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se
acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas
alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados
aos bons amigos que passam mais distante.
Nas lojas, na luxúria das
montras e dos escaparates,
com subtis requintes de
bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso
fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis
de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.
Os olhos acorrem, num
alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso
dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos
dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse
para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.
A Oratória de Bach
embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem
diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem
querer, entra no estabelecimento
e compra — louvado seja o Senhor!— o que nunca tinha pensado
comprar.
Mas a maior felicidade é
a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a
sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.
Cada
menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já
está desperta.
De manhãzinha,
salta da
cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.
Ah!!!!!!!!!!
Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a
surpresa
do Menino Jesus.
Jesus
o doce Jesus,
o
mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do
Pedrinho
uma metralhadora.
Que alegria
reinou
naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho,
estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com
devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a
caírem no chão como se fossem mortas:
Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.
Já está!
E fazia-as erguer para de
novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que
caíam
crivados de balas.
Dia de Confraternização
Universal,
Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos
e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens
de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.
António Gedeão