segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

OUTRO POEMA DE NATAL PARA REFLETIRES...

Ilustração de Lucy Campbell, via Bibliocolors
DIA DE NATAL

Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.

É dia de pensar nos outros— coitadinhos— nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.

Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce, 
de violas e banjos, 
Entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor 
anuncia o melhor dos detergentes.

De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido!Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)

Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.

Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.

Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.

A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento 
e compra — louvado seja o Senhor!— o que nunca tinha pensado comprar.

Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa 
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena. 

Cada menino 
abre um olhinho 
na noite incerta
para ver se a aurora 
já está desperta.

De manhãzinha, 
salta da cama, 
corre à cozinha 
mesmo em pijama.

Ah!!!!!!!!!!

Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.

Jesus 
o doce Jesus, 
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho 
do Pedrinho 
uma metralhadora.

Que alegria 
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas 
a caírem no chão como se fossem mortas:
Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.

Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá 
fingiam 
que caíam 
crivados de balas.

Dia de Confraternização Universal, 
Dia de Amor, de Paz, de Felicidade, 
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.

Glória a Deus nas Alturas.

                                                                                                                                   António Gedeão

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