sexta-feira, 10 de agosto de 2012

EUGÉNIO DE ANDRADE E O PORTO

     Para que conheças melhor a cidade do Porto e as suas gentes, deixamos-te um excerto de A Cidade de Garrett, da autoria do patrono do nosso agrupamento de escolas - Eugénio de Andrade.
     Pretexto para uma visita a um dos locais mais pitorescos da cidade em tempo de férias? Por que não?


     "Diz-se, e eu acredito, que é na Ribeira que pulsa o coração do burgo. Aqui podes ainda ouvi-lo bater como no tempo do senhor D. João I, ou de seu filho D. Henrique, que também por aqui andou a arrebanhar homens, navios e cabedais para as suas empresas, afirmando Zurara que «era ali o tráfego tamanho em aquela ribeira que, de dia nem de noute, nunca estava só nem os marinheiros não eram pouco cansados em arrimar tamanha multidão de frasca». É exatamente aqui, no meio destas criaturas, que não serão atraentes pela sua beleza mas por certa rudeza e orfandade, embora possam de vez em quando surpreender-nos por uma natural e insuspeitada gentileza, é aqui, dizia eu, que poderás encontrar ainda alguns herdeiros dos gestos e das falas de gerações e gerações de barqueiros e estivadores, de regateiras e carrejões, gente que vivia quase só do rio e do mar, mais parca de haveres que de sentimentos, com muitas pragas na boca e alguns pedacinhos de sal nos cabelos, porque naqueles tempos o rio entrava-lhes pela casa, e ao cais atracavam todos os dias embarcações vindas de muitas partes, carregando e descarregando vinho e peixe, azeite e fazendas, fruta e carvão. E o que não traziam os barcos vinha em carros de bois porque a ribeira sempre foi mercado: de flores, fruta, hortaliça, pão «e qualquer outro género de comestivo», como refere a antiga postura municipal. E o mercado era debaixo das arcadas, não só por causa do tempo, que nesta cidade nunca foi amável, mas também pelo vinho verde e pelas iscas, que ali ficavam mais à mão.
     Embora a Ribeira já não seja assim – agora tem turistas, restaurantes com nome francês, barracas de bugigangas pregadas ao chão, vira-ventos de plástico, louças de Barcelos, mantas alentejanas… - lá para o fim da tarde, a praça fica mais limpa e dá ainda algum gosto vê-la: as pombas vieram por aí abaixo juntar-se às gaivotas, dois ou três pescadores infindamente parados sonham com tainhas e bogas e enguias, de que o rio já foi farto, e há aqueles garotos correndo atrás de uma bola até à demência, enquanto outros, quando o calor aperta, se despem e lançam à água, indiferentes às grandes manchas de óleo [...]."

Eugénio de Andrade, A Cidade de Garrett
URL da imagem:http://mw2.google.com/mw-panoramio/photos/medium/41313678.jpg 


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