terça-feira, 17 de julho de 2012

NINGUÉM


     É verão. O momento convida a grandes passeios pela praia ou pelo campo, assim como nos atrai para a leitura de livros que escolhemos mas que não temos tempo para ler durante o período de aulas. São aqueles livros que os amigos nos oferecem ou que escolhemos nas livrarias e que lemos apenas por prazer.
    E quando falamos em livros ou simples textos, podemos encontrá-los não apenas nas páginas impressas. Os blogues são também ótimas fontes de lazer em torno das palavras. É o caso de “Crónicas de Utolândia” do escritor João Raposo, onde se encontram vários textos, incluindo o que a seguir se transcreve.


Ninguém

     Desde que me instalara na cidade junto à foz, descansado da gestão da quinta, comecei a dedicar-me a viajar dentro de Utolândia. Ganhei um especial interesse por castelos. Lembro agora um dos acasos que me levaram até um desses castelos, mesmo junto à fronteira com os nossos vizinhos. Gostei dessa viagem, sobretudo por um episódio simples e que não sei porquê, nunca esqueci.
     Tenho uma quase paixão por árvores. Ou melhor, pela sombra das árvores. Um dos meus maiores prazeres é descansar na sua sombra, talvez com um livro, talvez apenas com os meus pensamentos, com as minhas memórias. Uma sombra, de preferência junto a um ribeiro.
      Foi na visita a esse castelo que, ao passar pela aldeia onde se inicia a subida, o conheci. Andava com um outro trabalhador a plantar árvores pelas margens do rio. No meu Utolandês precário meti conversas com ele. Por que é que plantava as árvores? Porque era o seu trabalho e também gostava de árvores. Gostava de as ver crescer, de tratar delas. Perguntei-lhe quem era. Riu-se. Ninguém. E continuou a cavar a cova onde iria plantar a árvore seguinte. Prossegui a subida até ao castelo.
      Voltei a passar pela aldeia há pouco tempo. Perguntei pelo homem que plantara aquelas árvores na margem do rio. Não sabiam quem fora. Certamente viverá na memória de alguém. Com toda a certeza, aquelas árvores, agora mais altas que os edifícios da aldeia, guardariam a memória de quem as plantou e nelas continuará vivo mesmo que já tenha partido. Não soube o seu nome, mas recordo a resposta: Ninguém.
João Raposo in Crónicas de Utolândia 
(http://cronicasdeutolandia.blogspot.pt/?zx=cfd485685c7a21ec )

1 comentário:

  1. Que belo texto! É assim na vida muitas vezes fazemos tantas coisas indispensáveis e não somos ninguém, por isso que devemos colocar amor em nossos atos, assim não nos importaremos com a falta de reconhecimento!

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