terça-feira, 24 de março de 2015

EM HOMENAGEM A HERBERTO HÉLDER (1930-2015)



Sobre um Poema

Um poema cresce inseguramente 
na confusão da carne, 
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto, 
talvez como sangue 
ou sombra de sangue pelos canais do ser. 

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência 

ou os bagos de uva de onde nascem 

as raízes minúsculas do sol. 

Fora, os corpos genuínos e inalteráveis 
do nosso amor, 
os rios, a grande paz exterior das coisas, 
as folhas dormindo o silêncio, 
as sementes à beira do vento, 
- a hora teatral da posse. 
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço. 

E já nenhum poder destrói o poema. 

Insustentável, único, 

invade as órbitas, a face amorfa das paredes, 

a miséria dos minutos, 
a força sustida das coisas, 
a redonda e livre harmonia do mundo. 

- Em baixo o instrumento perplexo ignora 
a espinha do mistério. 
- E o poema faz-se contra o tempo e a carne. 
                                                             Herberto Hélder 

Ouve AQUI  poemas de Herberto Hélder, pela voz de seis "diseurs" do Porto.


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