segunda-feira, 2 de maio de 2016

SEMANA DA LEITURA: TESTEMUNHO DE LEITORES | DIA 5


Era suposto termos a “Semana da Leitura”. Sim, “era suposto”. Todavia, a adesão da comunidade tem sido tão expressiva que já vamos na “Segunda Semana da Leitura”! Para além das iniciativas a decorrer na biblioteca, temos tido o testemunho de leitores, ex-alunos, professores, pais e elementos da comunidade, que vieram falar dos livros que os marcaram e da importância da leitura nas suas vidas.


Hoje tivemos o privilégio de receber dois convidados que aceitaram dar-nos o seu testemunho e que são de áreas profissionais e de formação muito diferentes, o que mostra que a leitura é transversal e não específica de determinadas profissões:
▪ A Dra. Isabel Santos tem formação em Relações Internacionais e Sociologia e é atualmente deputada na Assembleia da República, eleita pelo círculo do Porto. É Presidente da Comissão de Democracia, Direitos Humanos e Questões Humanitárias da Assembleia Parlamentar da OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa). Já foi Governadora Civil do Porto e exerceu cargos em autarquias.
▪ O Dr. Pedro Sarmento, para além de ter sido um ativo desportista, tem formação em Educação Física e Desporto e é professor na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto. Exerceu diferentes cargos, incluindo no gabinete de desporto da autarquia, e é atualmente o Presidente do Académico Futebol Clube, aqui perto na rua Costa Cabral.


NA ESCOLA: APRENDER A APRENDER

ISABEL SANTOS começou cedo a ler coisas sérias. Foi criança única até aos 9 anos e habituou-se a estar sozinha. Sozinha, não: tinha a companhia dos livros e, durante os três meses de férias, lia uns livros atrás dos outros. O hábito da leitura foi-lhe incutido pelos pais e pelos adultos que via a ler. As novelas da sua infância (como «Gabriela, Cravo e Canela» - baseada num dos romances mais célebres de Jorge Amado) também tiveram um papel importante no seu percurso de leitura: foi a propósito da Malvina, que lia O crime do Padre Amaro, romance “escandaloso e proibido” às escondidas e era perseguida por isso, que Isabel Santos começou também a ler a obra de Eça. Claro que, quando leu este romance pela primeira vez, não teve dele um entendimento cabal: faltava-lhe, então, o vocabulário e a vivência para que tal fosse possível.
Isabel Santos tem desempenhado funções muito díspares e tudo o que sabe deve-o aos livros a que recorreu para se atualizar nas diversas fases da sua vida. É precisamente a sua vasta experiência ancorada nos livros lidos que lhe dá a autoridade para afirmar:  “A escola, mais do que os conteúdos, deve levar os jovens a aprenderem a aprender sozinhos. Isso foi o mais importante que a escola me deu!”
Foi também a leitura a grande catapulta do bisavô de Isabel Santos: embora não tivesse mais do que a 4.ª classe (atual 4.º ano), nem nunca tivesse viajado para o estrangeiro, fez um percurso que lhe permitiu ser guarda-livros (equivalente ao atual contabilista), fez a revisão de textos de Aquilino Ribeiro, foi revisor do jornal “Primeiro de Janeiro” e chegou mesmo a escrever textos para esse jornal, porque tinha uma visão muito alargada do mundo, que adquiriu graças aos muitos livros que lia.

HERÓIS QUE SE CONTROEM PELA LEITURA
OU ACERCA DO PODER LIBERTADOR DOS LIVROS

“Somos fruto das nossas viagens físicas e daquelas que os livros nos proporcionam”, crê Isabel Santos. Acredita, igualmente, que a sua capacidade de intervenção social se deve ao que a vida lhe tem proporcionado e, sobretudo, ao que foi aprendendo nos livros, porque a leitura impele-nos a colocarmo-nos no lugar dos outros, a sentir e a reagir, além de estimular a nossa imaginação. Este processo mexe com a nossa capacidade criativa e torna-nos mais tolerantes e mais capazes de intervir, social e civicamente.
Ontem, a propósito do 1.º de maio e da sua vinda à nossa escola, Isabel perguntou-se qual o livro que mais a marcou. E regressou à primeira vez (e também à última) em que leu A Mãe de Máximo Gorki, um livro que é uma evidência do poder libertador dos livros.
Trata-se, segundo Isabel, de um livro notável, cuja protagonista é uma heroína que se constrói pela leitura, numa época em que o povo russo vivia tempos marcados pela rudeza e pela crueldade, mas que, graças aos escritos revolucionários que o filho lhe trazia para casa, se transformou numa líder.
Para terminar a sua intervenção inicial, Isabel Santos deixou um conselho: “Leiam! Leiam muito! Porque esse é o melhor instrumento de que dispõem para se construírem como indivíduos capazes e interventivos. Ao longo da vida podem vir a encontrar muitas barreiras que vos travem, mas, se lerem, serão sempre mais livres do que aqueles que não o fazem e irão sempre mais longe!”



“O FUNDAMENTAL DE UM BOM LIVRO É FAZER-NOS SONHAR”

Para iniciar a sua intervenção, PEDRO SARMENTO confessou que o que mais gostaria era algo que não iria conseguir: entrar dentro de cada aluno e perceber o que gostaria que lhe dissesse. Falou, depois, da sua infância: não fora um bom aluno e, para desgosto de sua mãe, não levava boas notas para casa. Do que gostava, realmente, era da atividade desportiva: jogar futebol, hóquei, natação…
Foi no mundo do desporto e através das conversas com os amigos que começou a perceber o mundo, mas, com o passar dos anos, percebeu que podia ir mais longe, que podia sonhar. E sonhar, para Pedro Sarmento é fundamental: «com o sonho construímos o que mais gostamos; com o sonho voamos para onde queremos estar» - assegura-nos.
É essa a grande a grande vantagem dos livros: “O fundamental de um bom livro é fazer-nos sonhar.”
Este professor universitário e diretor desportivo, que deposita uma enorme confiança nas gerações mais jovens, considera-se um leitor por fases: agora lê toda a obra de um escritor; em seguida, escolhe outro e devora todos os seus livros. Aconteceu assim com a obra de Miguel Torga, que teve a oportunidade de conhecer nas férias de verão, na praia que ambos frequentavam. Pedro Sarmento adivinhava o fim próximo do respeitável e austero ancião de chapéu preto, pelo que quis retê-lo, lendo os seus textos e descortinando a conceção de vida que alicerçava toda a sua obra.
No entanto, o poeta transmontano é apenas um dos muitos autores que Pedro Sarmento aprecia. Por isso, apresentou-nos uma mochila cheiinha de livros dos autores que o têm feito voar e entre os quais se contam:
▪ Haruki Murakami – Sempre que sai algum livro deste autor, lá está Pedro na fila para ser um dos primeiros a ficar com a obra. Pudera! Murakami fá-lo abstrair-se dos dos problemas com que tem de defrontar-se no clube e na faculdade onde trabalha. Como refere, arrebatado, os momentos em que lê um livro do autor japonês “São horas de deleite total. Posso estar com problemas na faculdade, no clube ou até mesmo em casa, que, durante umas horas, entro no livro e esqueço tudo”
▪ José Saramago - Não é um autor fácil de ler e não leu toda a sua obra, mas considera que alguns dos livros do Prémio Nobel português são absolutamente fantásticos. O Memorial do Convento foi o primeiro romance que leu, depois de frequentar a tropa em Mafra, e o Ensaio sobre a Cegueira, que foi adaptado ao cinema pelo realizador brasileiro Fernando Meirelles, é outro bom exemplo. Na verdade, como habitualmente, o livro é, na sua opinião, muito melhor que o filme, pois «nos filmes, ficamos agarrados às imagens, mas com os livros ficamos agarrados às palavras e às ideias e a nossa imaginação não para».
▪ David Lodge – Quando lê este autor -que aborda um universo que lhe diz respeito, o da academia, dos círculos universitários, dos congressos - Pedro ri-se das situações fantásticas espraiadas nas sua obras.
▪ José Eduardo Agualusa – Para Pedro, o expoente máximo da escrita em português, que tem a capacidade de o deixar preso a uma primeira frase de um romance, pela sonoridade das palavras e pelo ritmo das frases, e é o autor de um dos livros mais interessantes que já leu - As Mulheres do meu Pai, livro que o fez recordar o seu próprio pai.
▪ Carlos Ruiz Zafón – Outro autor, catalão, que Pedro aprecia e que escreveu, por exemplo A sombra do vento, uma alegoria da espécie de amizade que alguns leitores mantêm com certos livros e que prende o leitor desde o primeiro instante.
Depois de falar de alguns dos escritores que o fazem voar, Pedro Sarmento exortou os alunos a aderirem à leitura. Claro que ler não é a única coisa importante a fazer: Pedro até está à vontade para dizer que há alturas em que tem quatro ou cinco livros na mesinha de cabeceira e que, noutros momentos, não lê. Porém, é fundamental alimentar o sonho lendo livros, assim como é importante dialogar com os amigos, ir ao cinema, praticar desporto, ouvir música… pois, para sermos felizes não chega sermos pragmáticos: é necessário calibrar a realidade com o sonho.




«A LEITURA E A NOSSA MUNDIVIDÊNCIA
FAZEM-NOS MUDAR AS LENTES DA MENTE!»

Depois de tão interessantes testemunhos, houve ainda lugar a questões, momento em que ficamos, ainda, a saber que:
▪ Quando Pedro Sarmento não gosta de um livro, simplesmente não o lê. Antes ainda se “castigava” lendo o livro até ao fim, mas agora não o faz. Deixa-o de lado e já lhe aconteceu pegar nesse mesmo livro noutro momento e até gostar.
▪ Houve livros que deixaram estes dois leitores experientes tristes. Por exemplo, o último livro que Isabel Santos leu, Deixar Alepo de Manuela Nisa, deixou-a tristíssima, pois conta a história de uma família obrigada a abandonar a sua terra e a viver toda a espécie de situações de aviltamento da condição humana.
▪ O Livro que mais marcou Pedro Sarmento é… o próximo. Este (também) autor de sete livros vive na expectativa de que o próximo livro que lerá será o livro da sua vida!

Em suma, mesmo que, por vezes, sejas obrigado a ler um livro que não te agrada tanto, não desistas de encontrar o livro da tua vida. Na vida há duas vertentes: o mundo real, quotidiano, que é, obviamente, importante. Mas depois há outra vertente que é a do sonho, que vem com os livros, com a música, com o cinema, com a arte. Com o sonho podemos viver o que ambicionamos e que o quotidiano não nos permite, como nos transmitiram estes brilhantes oradores, cujas palavras sábias cativaram a audiência.

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