«O
longe é um lugar sem nome. Não o conhecemos. Não existe. Não nos comove. Não
mobiliza o fluxo de notícias. Fala-se durante os instantes iniciais e depois é
como se o nada constituísse o quotidiano daquela gente de quem nada sabemos.
Não sabemos como riem. Não sabemos como beijam os filhos. Não sabemos como
amam. Não sabemos como dançam. Não sabemos se dançam. Não sabemos nada dos
homens, das mulheres, das crianças do Iraque, do Iémen, do Chade, da Costa do
Marfim, do Mali, da Síria, de Kabul, de Islamabad. Não sofremos com o que não
conhecemos. Não compreendemos o que não conhecemos. Não vivemos os desgostos, a
dor daqueles que desconhecemos. A ignorância é um lugar muito distante. Quem
vive naquele longe são pessoas. Podem morrer 70, 100, 200 e não será o mesmo
que morrerem 5, 10, 20, em Paris, Londres, Bruxelas ou Washington. A
contabilidade das mortes é pornográfica. Mas não há maior pornografia moral do
que deixarmo-nos enredar naquela voraz máquina noticiosa que faz perceber como
não somos iguais. Nem na morte. Porque a minha morte é melhor que a tua.»
Valdemar
Cruz,
Jornal Expresso online
Sem comentários:
Enviar um comentário
Obrigada pelo seu comentário!