quinta-feira, 31 de março de 2016

VALE A PENA PENSAR NISTO: O LONGE É UM LUGAR SEM NOME


«O longe é um lugar sem nome. Não o conhecemos. Não existe. Não nos comove. Não mobiliza o fluxo de notícias. Fala-se durante os instantes iniciais e depois é como se o nada constituísse o quotidiano daquela gente de quem nada sabemos. Não sabemos como riem. Não sabemos como beijam os filhos. Não sabemos como amam. Não sabemos como dançam. Não sabemos se dançam. Não sabemos nada dos homens, das mulheres, das crianças do Iraque, do Iémen, do Chade, da Costa do Marfim, do Mali, da Síria, de Kabul, de Islamabad. Não sofremos com o que não conhecemos. Não compreendemos o que não conhecemos. Não vivemos os desgostos, a dor daqueles que desconhecemos. A ignorância é um lugar muito distante. Quem vive naquele longe são pessoas. Podem morrer 70, 100, 200 e não será o mesmo que morrerem 5, 10, 20, em Paris, Londres, Bruxelas ou Washington. A contabilidade das mortes é pornográfica. Mas não há maior pornografia moral do que deixarmo-nos enredar naquela voraz máquina noticiosa que faz perceber como não somos iguais. Nem na morte. Porque a minha morte é melhor que a tua.»

Valdemar Cruz, 
Jornal Expresso online

Sem comentários:

Enviar um comentário

Obrigada pelo seu comentário!