Inauguramos hoje uma nova
rúbrica: “Os livros da minha vida”.
Dar-te-emos a conhecer obras
maiores e livros (talvez) menores. Livros de autores portugueses e livros de autores estrangeiros.
Livros que nos resgatam do cinzento dos dias e livros que nos iluminam o
olhar. Livros que ajudam a moldar o nosso caráter e livros que permanecem amigos de uma vida. Livros que interrogam o real e livros que espicaçam a imaginação. Livros que nos arrebatam e livros que nos levam à
descoberta do mundo e de nós mesmos.
Desta vez é o professor Luís Cravo que nos
fala de um dos muitos livros da sua vida.
Delicia-te e inspira-te!
CONHECEM AS
AVENTURAS DE UM TAL DE JOÃO SEM MEDO?
A palavra
escrita ensinou-me a escutar a voz humana
Marguerite
Yourcenar, Memórias de Adriano
Venho falar-vos de um dos meus heróis de infância! O seu nome?
João! Menino curioso, astuto, corajoso, ousado, inconformista e com muita
vontade de conhecer aquilo que estava para além de um gigantesco muro que se
erguia em volta da sua aldeia, Chora que Logo Bebes. O nosso João tinha tudo,
menos medo! Na verdade, este rapazinho era um intrépido explorador do submundo,
ou seja, daquilo que, na sua aldeia, ninguém se atrevia a explorar, a conhecer
e nem sequer a questionar.
Aquele muro gigantesco que se interpunha entre Chora que Logo
Bebes e o resto do mundo, oprimia os seus habitantes que passavam os seus dias
a chorar como se fossem carpideiras profissionais. Um verdadeiro hino à
tristeza, era o que era! Ora, o nosso pequeno herói não se revia naquele ambiente
de eterno velório e, curioso, passava os dias a olhar para o muro, como se este
lhe dissesse: “Anda, João! Queres ver o que está do outro lado do muro? Então
salta, João! Anda!...”. João, farto daquela gente que chorava, chorava e
chorava, decidiu-se: iria saltar o muro! Anunciou a sua decisão à mãe que,
banhada num choro contínuo, rogou a todos os santos, alminhas e querubins para
que João fosse sensato e não saísse, pela sua saudinha, de Chora que Logo
Bebes. Pois sim! O nosso João estava mais que decidido! Do outro lado do muro
estava aquilo que era “…uma espécie de Parque de Reserva de Entes
Fantásticos…”. Estava lá e esperava-o: “…graças ao arrimo de uma
trepadeira providencial e auxiliado pelas sentinelas invisíveis que guardavam
aquela selva misteriosa e pretendiam facilitar-lhe a entrada, não sei com que
intuitos secretos, chegou com agilidade ao topo da muralha…”. Do outro lado
do muro começam as verdadeiras e incríveis Aventuras de João Sem Medo.
Não vou aqui dizer muito mais sobre estas aventuras porque é meu
desejo que vocês as descubram e se deleitem com as fantásticas peripécias deste
rapaz que desafiou tudo e todos. Por ora, deixo apenas um cheirinho deste
“caldeirão” recheado de situações inesperadas (algumas verdadeiramente hilariantes).
O nosso João vai passar por episódios completamente surreais como quando
conhece o Gramofone com Asas ou o Príncipe das Orelhas de Burro ou ainda a
Princesa n.º 46 734. Outro trecho delicioso desta grande aventura é quando João
Sem Medo conhece um tal de João Medroso (!)… Bem, deixo-vos com água na boca.
Este Panfleto Mágico em Forma de Romance, como o designou o autor,
foi escrito por um dos maiores vultos da literatura portuguesa das décadas de
60 e 70 do século passado, José Gomes Ferreira. Li-o, pela primeira vez, com 9
anos e, desde aí, perdi a conta às vezes que já o reli. Este é um livro que me
fez dormir melhor, sonhar muito, sorrir quando não queria sorrir (e chorar a
rir também).
Boa leitura e que os livros fiquem convosco!
Professor
Luís Miguel Cravo
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