domingo, 12 de janeiro de 2014

JANELAS...

Num dia como o de hoje, em que o frio e a chuva nos convidam a ficar aninhados em casa, as janelas que nos ligam ao exterior ganham outra importância. E recordamo-nos das janelas de António Gedeão e também das janelas de Maluda. Ficam aqui, umas e outras! 


 

As janelas do meu quarto

Tenho quarenta janelas, 
nas paredes do meu quarto, 
sem vidros nem bambinelas, 
posso ver através delas, 
o mundo em que me reparto. 

Por uma entra a luz do sol, 
por outra a luz do luar, 
por outra a luz das estrelas, 
que andam no céu a rolar. 

Por esta entra a Via Láctea, 
como um vapor de algodão, 
por aquela a luz dos homens, 
pela outra a escuridão. 

Pela maior entra o espanto, 
pela menor a certeza, 
pela da frente a beleza, 
que inunda de canto a canto. 

Pela quadrada entra a esperança, 
de quatro lados iguais, 
quatro arestas, quatro vértices, 
quatro pontos cardeais. 

Pela redonda entra o sonho, 
que as vigias são redondas, 
e o sonho afaga e embala, 
à semelhança das ondas. 

Por além entra a tristeza, 
por aquela entra a saudade, 
e o desejo, e a humildade, 
e o silêncio, e a surpresa. 

E o amor dos homens, e o tédio, 
e o medo, e a melancolia, 
e essa fome sem remédio, 
a que se chama poesia. 

E a inocência, e a bondade,
e a dor própria, e a dor alheia, 
e a paixão que se incendeia, 
e a viuvez, e a piedade. 

E o grande pássaro branco, 
e o grande pássaro negro, 
que se olham obliquamente, 
arrepiados de medo. 

Todos os risos e choros, 
todas as fomes e sedes, 
tudo alonga a sua sombra, 
nas minhas quatro paredes. 

Oh janelas do meu quarto, 
quem vos pudesse rasgar, 
com tanta janela aberta, 
falta-me a luz e o ar. 

ANTÓNIO GEDEÃO

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