Talvez em dezembro exista algum tempo extra para se contarem histórias. Talvez haja até algum tempo para se inventarem histórias em família. Talvez exista também tempo de olharmos para o "Outro" - de outra raça, de outra religião, de outra cor - como o espelho do "Eu". São estas algumas das razões que nos levam a sugerir, aos mais velhos e aos mais novos, dois livros que contam histórias fascinantes: o primeiro já vendeu mais de dois milhões de cópias em todo o mundo e foi traduzido para 27 idiomas; o segundo resulta dos talentos de Sophia e do seu neto Pedro.
DEIXA-ME QUE TE CONTE, de Jorge Bucay
Todos nós nascemos, vivemos e morremos embrenhados em histórias. As nossas vidas são histórias que contamos a nós próprios e aos outros a respeito de quem somos e daquilo em que acreditamos. Todo o mundo conhecido, toda a política, toda a religião, toda a ciência, não passam de uma narrativa imensa e complexa – histórias acerca da origem, da finalidade e do sentido da vida. Todos nós respiramos histórias.
Com plena consciência do poder (destrutivo ou curativo) das histórias, Jorge Bucay apresenta aqui uma história feita de histórias: pequenos contos que têm sempre tanto de cómico como de trágico e que nos permitem experimentar, de uma forma direta e intensa, a verdade acerca de nós próprios, através das personagens Jorge e Damião.
Damião, um rapaz curioso e inquieto, deseja saber mais acerca de si mesmo. Esta busca leva-o a conhecer Jorge, "o gordo", um psicanalista muito invulgar que o ajuda a enfrentar a vida e a encontrar as respostas que procura através de um método muito pessoal: em cada sessão, conta-lhe um conto.
São contos clássicos, modernos ou populares, reinventados pelo psicanalista para ajudar o seu jovem amigo a esclarecer as suas dúvidas. Contos que nos podem ajudar a todos a compreender-nos melhor a nós próprios, a ponderar as nossas relações e a ver os nossos temores com outros olhos.
Fontes: Textos da aba e da contracapa
Os Ciganos é um conto inédito de Sophia de Mello Breyner Andresen localizado no seu espólio na primavera de 2009. Este conto encontrava-se inacabado, tendo Pedro Sousa Tavares, jornalista e neto da escritora, assumido a responsabilidade de continuar uma história sobre o irresistível apelo da liberdade, sobre a atração pelo que está fora dos muros e pela descoberta do outro e suas diferenças.
Ruy, o protagonista deste conto, é um rapaz que vive numa casa que não lhe parece ser sua. Ali imperam muitas regras, muitas rotinas, tantas que nem mesmo o jardim que rodeia a casa consegue ser suficientemente grande para que se sinta livre.
Contudo, num daqueles dias de primavera que caem lentamente ao som do baloiçar das folhas, Ruy é surpreendido pelo rataplã de um tambor que o desafia a saltar o muro do jardim e a percorrer os campos até se abeirar de um acampamento de ciganos. Com eles acaba por ficar e, inspirado pelo espírito indomado de Gela, uma rapariga cigana de olhos cor de avelã, vai descobrir o prazer de sentir o chão debaixo dos pés, enfim, vai experimentar a liberdade pela qual sempre suspirou.
Para conheceres um bocadinho destas obras:
- Lê, na página "LEITURAS EM VÁRIAS LÍNGUAS", o conto "O verdadeiro valor do anel"
- De seguida, vê o pequeno filme sobre o lançamento de Os Ciganos, onde ficas as conhecer outra dimensão estética do conto de Sophia e Pedro - as belas ilustrações de Danuta Wojciechowska - e depois saboreia o excerto de "Os Ciganos", onde a magia da leitura e da escrita se encontram em destaque.
«- Eu invejo-te – disse Ruy. – A vida, lá onde eu moro, não é nada como a vossa. É cheia de regras e horários rígidos. Levanto-me de manhã, tomo o pequeno-almoço, vou para a escola, regresso a casa e mal tenho tempo para me divertir. Depois lancho, tenho mais deveres para fazer. Janto, vou para a cama, e tudo se repete. Não há magia, como aqui.
-Nós também temos muitas regras e deveres, mais do que possas imaginar – respondeu-lhe Gela. – E Também te invejo.
- Porquê?!
- Podes apreciar coisas que nunca saberei. Também gostava de saber ler e imitar as letras que vejo nos livros. Para mim parece magia conseguir viver tantas aventuras, saber tantas coisas, a olhar para folhas de papel iguais umas às outras. E ainda deve ser mais extraordinário escrever as nossas próprias histórias para que outros as leiam. Entre nós só alguns homens, os que fazem as vendas nas feiras, conhecem os vossos símbolos. O meu pai diz que não nos fazem falta as letras dos gadjós, porque tudo o que precisamos de saber está escrito na memória dos mais velhos. Mas eu tenho medo que chegue um dia em que já ninguém se lembre de nós.
Ruy olhou para a rapariga do arame, pensativo. Estava tão fascinado com a vida dos ciganos que nem lhe passara pela cabeça que pudesse haver coisas do seu próprio mundo que eles também gostassem de ter. O rapaz começou a afastar a caruma do chão , até deixar descoberto um retângulo de terra limpa. Depois pegou num galho seco e escreveu quatro letras: G, E, L, A.
- O que é isso? – perguntou a rapariga.
- Isto é o teu nome. Se me estás a ensinar o que sabes, creio que também posso fazer o mesmo. Contarás tu as histórias do teu povo.»
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