Em breve, Manuela Bacelar visitar-nos-á. Será, certamente, um dia
especial mas escolas de primeiro ciclo e jardins de infância do nosso agrupamento:
os nossos alunos mais novos terão a oportunidade de conhecer esta autora e coautora de variadíssimas obras.
Para que fiques a saber um pouco mais
sobre esta autora, deixamos-te uma entrevista publicada no Jornal AS ARTES ENTRE AS LETRAS.
«Ilustradora infantil é um carimbo
que pesa bastante»
Com 70 anos de idade e 42 de trabalho, a escritora e ilustradora Manuela Bacelar inaugura mais uma exposição no próximo sábado. Não era a sua intenção, mas hoje é um nome imediatamente associado à literatura infantil. As circunstâncias assim o ditaram… Mas é clara: «A minha ideia era ser ilustradora ‘tout court’. Numa conversa descontraída, abordou o seu percurso profissional, falou das mudanças e do presente, e revelou depositar esperança na nova geração de artistas plásticos.
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Entrevista por Isabel
Fernandes
Em que ano começou como ilustradora? Encontrei datas
distintas, 71 e 88.
Em 88, saí da Função
Pública e passei a ser freelancer em ilustração. Mas publiquei a primeira vez
em 1971: numa colaboração para «O Século» para uma página de humor e, a convite
da Isabel da Nóbrega, colaborei também na secção infantil de uma revista
chamada «Rita». E aí puseram-me um carimbo: ilustradora para a infância. Quando
comecei não era nada essa a minha ideia: era ser ilustradora ‘tout court’, para
criança, para adultos… porque quando daqui saí faziam-se livros ilustrados para
adultos e eu pensei que ia reencontrar esse mercado e esse mercado tinha
acabado.
Como é que entra na ilustração?
Sabia-se que havia uma
pessoa que tinha vindo de Praga com o Curso de ilustração, mas não era mais do
que isso. A partir daí o mundo é pequeno e Portugal ainda mais – era fácil
encontrar as pessoas. E assim comecei, e a ter o carimbo que neste momento pesa
bastante!
Ilustrar para crianças é uma responsabilidade acrescida?
Hoje tenho consciência
disso, quando comecei não tinha, mas o que eu gostava de facto era [de] tudo
que fosse narrativo, fosse cinema de animação, ilustração, teatro, cinema
propriamente dito ou banda desenhada. O que eu gostava era de histórias, o
formato tanto me fazia! Era-me perfeitamente indiferente! Hoje em dia poderei
tirar a conclusão, sem querer estar aqui a fazer grandes análises, que tinha uma
sopa de coisas na minha cabeça que me fazia escolher pela narração. Mesmo
quando eu decido não me dedicar à ilustração, a minha pintura acaba sempre por
ser narrativa.
Que diferenças há na área da ilustração entre o tempo em que
começou e hoje?
Eu não fui criada num
mundo de “inhos”. E em Praga também constatei que se escrevia para as crianças
de outra maneira. Quando regressei a Portugal, de facto, os livros pecavam por
isso. Os livros eram bem escritos e muito bem escritos, com humor, e muito
humor, mas volta e meia era o “inho”. E outra coisa que me irritava era porem
no texto as cores, porque essa parte é minha! Escusam de escrever tanto, porque
se o livro vai ser ilustrado, não precisa de ser tão descritivo. E eu era muito
chatinha… e a coisa passou. Ou porque começaram a vir mais livros lá de fora,
ou porque aceitavam as críticas.
E esses “inhos” em que medida são prejudiciais?
As crianças são pessoas,
não são nenhumas almas do outro mundo! E escrever para crianças é escrever para
pessoas. E não me acredito que algum
escritor tenha na cabeça, mesmo que escreva “inho, inho, inho”, que a criança é
um ser inferior. Havia, e talvez ainda haja, a ideia de que escrever para
crianças é muito fácil. Nota-se na maneira como os textos são escritos e
nota-se pelo tipo de descrição que acaba por ser desadequada - nem é para muito
pequenos, nem é para adolescentes, nem é para adultos.
Em que fase da sua carreira está?
Apetece-me continuar a
fazer o que tenho feito ultimamente: pego num livro sobre um determinado tema,
faço-o e apresento-o à editora.
A cor é essencial na ilustração?
A cor é tão importante
como o papel. Tudo é importante. Eu neste momento estou numa encruzilhada, que
é aquelas perfeitas árvores de natais que são os escaparates dos livros
infantis. Brilhos, purpurina, cores que não existiam… não tenho nada contra,
mas só assim? Muita cor que é para ser o primeiro a ver-se.
Como é que surgem os temas para os livros que escreve e
ilustra?
Os meus a 100 por
cento... a maior parte das vezes penso numa brecha.
Para que funcionem como sugestões?
Não dou sugestão nenhuma!
Eu, simplesmente, conto uma história feliz entre um avô e um neto, no caso de
«O meu avô». O meu problema, às vezes, não é começar as histórias, é o meio.
Como é que começo e como é que acabo, eu sei… preencher o meio é que é difícil.
Porque gosto de romances enxutos, sem nada a mais. Gosto de personagens muito
bem definidas, muito coerentes, e gosto de uma certa poupança de palavras. Dar
o ambiente com coisas subtis e que vêm a propósito de qualquer coisa.
Como ou quem é que escolhe a técnica para as suas
ilustrações?
O texto e ou o papel.
Porque há papéis tão bonitos que muitas vezes para não os estragar faço
desenhos muito levezinhos. Eu não quero que o meu desenho interfira com aquele
papel que escolhi, porque estava de acordo com aquele texto. Tudo está em
harmonia. Mas é que tudo mesmo tem de estar em harmonia. E não estamos só a
falar em livros.
Como é que surgem os trabalhos de temas livres?
Surgem pelo prazer que me
dão.
Como é que vê o futuro da cultura em Portugal?
Quando estou com jovens
de vinte e poucos, trinta anos, acho que eles têm uma pedalada que a geração a
seguir à minha não tinha. Fazem coisas giríssimas!
Então o futuro está assegurado?
Eu tenho esperança nesta
malta que anda aí a fazer coisas, que se juntam. E há cada vez mais malta a
arriscar dedicar-se a tempo inteiro à sua arte. Isso não se via.
Tem uma opinião sobre o Acordo Ortográfico?
Sou contra!
Completamente! Nem percebo de onde é que isto vem. Devem ser desses senhores
que fazem para aí livros a granel… Não sei! Uma pessoa bem pensante e bem
falante não pode concordar. Eu gostava de perceber onde é que tudo isto
começou. Estamos a tirar o c, o c vem do Latim e o Português é uma língua
latina! O Brasil é outro continente, é um país novo, nós estamos lá para trás.
Nós abdicamos muito rápido da nossa cultura?
Mas isso é provincianismo, cá para mim!
Mas isso é provincianismo, cá para mim!
Fernandes, I. (2013) Ilustradora
infantil é um carimbo que pesa bastante. AS ARTES ENTRE AS LETRAS, 106,
4-5.
(Texto com supressões)
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